Fosfomicina: remédio para infecção urinária em dose única

A imensa maioria dos quadros de infecção urinária é provocada por bactérias, especialmente por bactérias que vivem naturalmente nos nossos intestinos, como Escherichia coli, responsável por mais de 75% dos casos de infecção do trato urinário (1).

Portanto, por se tratar quase sempre de uma infecção de origem bacteriana, o tratamento da infecção urinária deve ser feito, via de regra, com antibióticos apropriados contra as bactérias que habitualmente causam infecção da urina.

Dentre as várias opções de antibióticos disponíveis, um deles se destaca pela facilidade na posologia, dado que pode ser administrado em dose única oral. Esse antibiótico é a fosfomicina.

O que é a fosfomicina?

A fosfomicina é um antibiótico singular que não tem relação química com nenhum outro agente antibacteriano conhecido. Apesar do sufixo (“omicina”), ela não faz parte da família de antibióticos dos macrolídeos, como a azitromicina, claritromicina ou eritromicina.

A fosfomicina é um antibiótico bem antigo, desenvolvido na Espanha em 1969 (2). Porém, por não ser um antibiótico muito utilizado para outros tipos de infecção e por terem surgido nas últimas décadas várias opções igualmente eficazes, com perfis de efeitos colaterais potencialmente mais favoráveis, a fosfomicina acabou ficando “esquecida” por algum tempo.

No entanto, com a recente disseminação global de bactérias multirresistentes e o aumento alarmante de casos de infecções resistentes aos antibióticos, os médicos começaram a olhar novamente para antibióticos “antigos” e pouco utilizados como uma estratégia viável para contornar as altas taxas de resistência antibiótica (3).

Um desses fármacos “antigos” é a fosfomicina, um antibiótico de amplo espectro que ainda mantém em relevante parte do mundo boa taxa de eficácia contra as bactérias Gram-positivas e Gram-negativas que habitualmente provocam infecção do trato urinário, especialmente cistite (leitura sugerida: Sintomas da cistite em mulheres adultas).

Espectro de ação

A fosfomicina é um antibiótico bactericida (que ativamente mata bactérias) por interferir na síntese da parede celular de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.

A fosfomicina é ativa contra diversas bactérias, incluindo, entre outras, Enterococcus spp. (inclusive Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium), Staphylococcus aureus (independentemente da resistência à meticilina), Staphylococcus epidermidis, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter spp, Serratia spp., Citrobacter spp. e Proteus mirabilis (4).

Essa ampla cobertura confere á fosfomicina atividade contra bactérias que respondem por mais de 95% dos casos de infecção urinária (leitura sugerida: Quais são as bactérias que causam infecção urinária?).

Indicações

Atualmente, a fosfomicina está indicada como uma das opções iniciais de tratamento das cistites não complicadas*

* Cistite simples ou não complicada: a cistite não complicada é aquela que fica limitada ao trato urinário inferior (bexiga e uretra) e é provocada por bactérias suscetíveis aos antibióticos comumente usados.

A fosfomicina pode ser prescrita de forma empírica para cistites, ou seja, sem a necessidade de esperar pelo resultado da urocultura. Se a paciente tiver sintomas clínicos sugestivos de cistite, a fosfomicina em dose única pode ser prescrita sem que outros exames complementares sejam solicitados.

Além do tratamento da cistite simples, a fosfomicina por via oral também pode ser utilizada na prevenção da cistite recorrente, no tratamento da bacteriúria assintomática nas grávidas e na prevenção da infecção urinária nos pacientes que irão se submeter a intervenções urológicas invasivas.

Formulações e nomes comerciais

A fosfomicina está disponível em duas formulações orais: fosfomicina trometamol, um sal solúvel com melhor biodisponibilidade, e fosfomicina cálcica. A fosfomicina trometamol é a formulação preferida para a administração oral porque é mais prontamente absorvida pelo sangue em comparação com a fosfomicina cálcica (4). A fosfomicina cálcica já quase não é mais encontrada no mercado.

Entre os nomes comerciais mais vendidos da fosfomicina trometamol, podemos citar:

  • Monuril.
  • Traturil.
  • Rukobia.
  • Formoryl.

Como tomar

1. Para o tratamento dos quadros de cistite aguda não complicada, a posologia da fosfomicina é de 3 g por via oral em dose única (5).

Esquemas multidose (por exemplo, 3 g uma vez a cada 2 a 3 dias em um total de 3 doses) foram descritos, particularmente para cistites multirresistentes; no entanto, não se sabe se esse esquema realmente é mais eficaz do que a terapia de dose única.

2. Para prevenção da cistite em pacientes com infecção urinária de repetição, a posologia da fosfomicina é de 3 g a cada 7 a 10 dias. Este esquema pode ser mantido por 3 a 12 meses (5).

3. Para as grávidas com bacteriúria assintomática, a posologia da fosfomicina é de 3 g por via oral em dose única (5). (Leitura sugerida: Bacteriúria assintomática (bactérias na urina)).

4. Para os pacientes que serão submetidos a procedimentos invasivos urológicos, a posologia da fosfomicina é de 3 g por via oral 3 horas antes do procedimento e uma nova dose de 3 g 24 horas após (6).

Observações importantes

A fosfomicina é habitualmente vendida em saquetas ou envelopes que contêm uma quantidade fixa de 3 gramas de fosfomicina. Basta diluir o conteúdo todo de cada saqueta em um copo d’água (cerca de 100 ml).

Algumas marcas de fosfomicina vendem saquetas que contêm 8 g de granulado. Cada saqueta contém 5,631 g de fosfomicina trometamol, que é equivalente a 3 g de fosfomicina, além de 2,213 g de sacarose, 1,4 mg de sódio e 0,002 mg de sulfitos.

Existem também marcas com envelopes com 2 g de fosfomicina, mas essa dose atualmente não é mais recomendada para adultos, apenas para crianças com menos de 12 anos (7). O tratamento da cistite com dose única para adultos deve ser feito com 3 g de fosfomicina.

As cistites complicadas e pielonefrites não devem ser tratadas com fosfomicina por via oral.

As formulações de fosfomicina para administração por via intravenosa estão restritas a uso intra-hospitalar e, portanto, não serão abordadas neste artigo.

Correção da dose para insuficientes renais crônicos

Não é necessário ajuste de dosagem da fosfomicina por via oral para qualquer grau de disfunção renal (5). Entretanto, o tempo de eliminação do fármaco é significativamente prolongado em pacientes com taxa de filtração glomerular menor que 50 mL/minuto. Portanto, tratamentos prolongados nesses pacientes apresentam elevado risco de efeitos colaterais.

Pacientes sob tratamento de hemodiálise ou diálise peritoneal também não requerem correção da dose da fosfomicina (5).

Contraindicações

Não existem contraindicações absolutas à fosfomicina além da história de hipersensibilidade à substância ativa ou a qualquer dos excipientes mencionados.

A fosfomicina é excretada no leite humano em baixas quantidades. Portanto, se necessário, uma única dose oral de fosfomicina, poderá ser usada durante a amamentação. No entanto, cabe observar que qualquer antibiótico que se encontre presente no leite materno pode causar alteração na flora intestinal dos recém-nascidos ou bebês (8).

Efeitos colaterais

Com a posologia de 3 g em dose única, a taxa de efeitos colaterais da fosfomicina é bem baixa.

As seguintes reações adversas mais frequentemente relatadas após o uso de fosfomicina são (5):

  • Dor de cabeça: 4% a 10%.
  • Tontura: 1% a 2%.
  • Erupção cutânea: 1%.
  • Diarreia: 9% a 10%.
  • Náusea: 4% a 5%.
  • Dor abdominal: 2%.
  • Dispepsia (queimação no estômago): 1% a 2%.
  • Vaginite (inflamação vaginal): 6% a 8%.
  • Dismenorreia (cólicas menstruais): 3%.
  • Dor nas costas: 3%
  • Fraqueza: 1% a 2%.
  • Rinite: 5%.
  • Faringite: 3%.

Interações medicamentosas

A principal interação medicamentosa da fosfomicina se dá com fármacos procinéticos, ou seja, medicamentos que aumentam a motilidade gastrintestinal, como metoclopramida ou domperidona. Quando tomados juntos, a absorção da fosfomicina fica reduzida e o antibiótico pode não atingir níveis adequados no sangue.

A fosfomicina pode também interferir com anticoagulantes orais, como a Varfarina, aumentando o risco de sangramento.

A fosfomicina não interfere com a eficácia dos contraceptivos hormonais, como a pílula anticoncepcional.


Referências

  • (1) Kalpana Gupta and others, International Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Acute Uncomplicated Cystitis and Pyelonephritis in Women: A 2010 Update by the Infectious Diseases Society of America and the European Society for Microbiology and Infectious Diseases, Clinical Infectious Diseases, Volume 52, Issue 5, 1 March 2011, Pages e103–e120, https://doi.org/10.1093/cid/ciq257.
  • (2) D. Hendlin et al., Phosphonomycin, a New Antibiotic Produced by Strains of Streptomyces. Science 166, 122-123(1969). DOI:10.1126/science.166.3901.122.
  • (3) Dijkmans, A. C., Zacarías, N. V. O., Burggraaf, J., Mouton, J. W., Wilms, E. B., van Nieuwkoop, C., Touw, D. J., Stevens, J., & Kamerling, I. M. C. (2017). Fosfomycin: Pharmacological, Clinical and Future Perspectives. Antibiotics (Basel, Switzerland)6(4), 24. https://doi.org/10.3390/antibiotics6040024.
  • (4) Argyris S. Michalopoulos, Ioannis G. Livaditis, Vassilios Gougoutas, The revival of Fosfomycin, International Journal of Infectious Diseases, Volume 15, Issue 11, 2011, Pages e732-e739, ISSN 1201-9712, https://doi.org/10.1016/j.ijid.2011.07.007.
  • (5) Fosfomycin: Drug information – UpToDate. https://www.uptodate.com/contents/fosfomycin-drug-information.
  • (6) Monuril® – Zambon Laboratórios Farmacêuticos Ltda. Bula do fabricante – Granulado 5,631g – fosfomicina trometamol.
  • (7) Fosfomycin: Pediatric drug information – UpToDate. https://www.uptodate.com/contents/fosfomycin-pediatric-drug-information.
  • (8) World Health Organization (WHO). Breastfeeding and maternal medication, recommendations for drugs in the eleventh WHO model list of essential drugs. 2002. https://apps.who.int/iris/handle/10665/62435.

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